É necessário estar atento a alguns critérios para que seu patrimônio não seja injustamente comprometido em decorrência da contingência da empresa parceira.
A formação dos denominados grupos econômicos, conjunto de sociedades empresariais que, de algum modo, coordenam sua atuação para maximizar o lucro e a produtividade, diminuir os custos e, assim, garantir posição no mercado, é tendência dentro do cenário econômico brasileiro e mundial.
Não é incomum, nos dias de hoje, observar o fenômeno da ampliação das atividades de uma empresa. Aquelas que antes somente produziam certo produto, passaram também a distribuí-lo e exportá-lo, a importar os insumos necessários à sua produção ou mesmo assumir a produção de tais insumos, a instituir bancos que especulem o capital decorrente do lucro da sociedade ou construtoras que atuem frente ao mercado imobiliário, especulando com seus bens imóveis, sendo cada uma dessas atividades objeto de uma sociedade empresária específica que, no entanto, atua de forma coordenada com os demais formadores do Grupo Econômico. Em conclusão: “juridicamente independentes, mas economicamente unidas”.
Esta realidade econômica, como não poderia deixar de ser, traz sérias repercussões no universo jurídico, sendo, ainda, algo com poucas referências legislativas. Na lei das sociedades anônimas, o legislador pátrio tratou dos grupos econômicos e uniões empresariais, entretanto, deixou de lado questões referentes à responsabilidade civil solidária ou subsidiária das empresas formadoras de conglomerados, sob a justificativa de que “a experiência mostra que o credor, em geral, obtém a proteção dos seus direitos pela via contratual”.
O Direito positivo brasileiro estabelece dois tipos de grupo empresarial: o de direito, regidos pela lei das SA, disciplinado pelos artigos 265 a 278 da lei 6404/76, e o de fato, regulado pela legislação trabalhista (decreto-lei 5.452/43), tributária (IN RFB 971/09) e previdenciária (IN RFB 971/09).
Os grupos econômicos de direito são constituídos mediante convenção grupal e formalizados pela legislação societária. O grupo econômico de direito é regulado nos arts. 265 a 278 da lei 6.404/76. O art. 265 autoriza expressamente a constituição formal de grupo econômico entre a sociedade controladora e suas controladas, por meio de convenção que deverá atender todos os requisitos contemplados no art. 269 da mesma lei, dentre eles as relações que serão firmadas entre essas sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades que o compõem.
Uma vez que o grupo econômico possui objeto próprio (promoção do interesse geral), ele se sobreporá aos interesses individuais das sociedades que o compõem. Portanto, o grupo terá uma administração própria e os administradores das sociedades que o constituem deverão observar as orientações da sociedade controladora.
Já o grupo econômico de fato não é regulamentado pela legislação societária. As definições acerca desta forma de organização são encontradas na legislação trabalhista, previdenciária e tributária.
Grupo econômico de fato é, portanto, aquele que existe entre sociedades que se relacionam em decorrência da participação que uma possui no capital das outras, sem que exista, porém, um acordo sobre sua organização formal, administrativa e obrigacional.
Assim, uma vez que não há regulamentação quanto à organização formal do grupo, as sociedades integrantes do grupo econômico de fato continuarão, desta forma, a ter autonomia patrimonial e administrativa próprias e independentes umas das outras e manterão as suas personalidades jurídicas.
Ao tratarmos de grupo econômico, se faz importante analisar os reiterados procedimentos que o Fisco vem adotando, no que tange ao redirecionamento de contingência tributária a todos os integrantes do grupo econômico, seja ele de fato ou de direito, mesmo que tal empresa não tenha feito parte do fato gerador da obrigação tributária.
O redirecionamento tributário pode ocorrer somente nas seguintes hipóteses:
(i) a comprovação de subordinação de uma ou mais empresas a uma empresa ou grupo de pessoas, que as dirige, controla e administra, e, cumulativamente (ii) a prática comum do fato gerador (art. 124 do CTN) ou a confusão patrimonial (art. 50 do CC). No último caso é imprescindível provar a fraude e obter autorização judicial prévia ao redirecionamento.
A lei das sociedades por ações prescreve que não haverá presunção de responsabilidade solidária entre empresas que compõem o grupo econômico – cada uma responde por suas obrigações (exceto nas hipóteses previstas no art. 278, parágrafo 1º).
A existência de grupo econômico não compromete, portanto, a identidade das empresas associadas, que continuam a ser pessoas jurídicas distintas e autônomas, respondendo individualmente pelo pagamento das dívidas contraídas de forma isolada, a não ser quando houver disposição legal em sentido contrário.
Portanto, o fato de a Receita Federal fazer uso de critérios do grupo econômico de fato para redirecionar passivo tributário de grupo econômico de direito é ilegal, assim como é ilegal qualquer outra hipótese de redirecionamento da cobrança do crédito tributário para empresas que alegadamente constituem um mesmo grupo econômico.
Com exceção do interesse comum do fato gerador e da fraude devidamente comprovada, o redirecionamento é ilegal, uma vez que afronta os princípios da reserva absoluta da lei fiscal e tipicidade fechada.
A expressão “interesse comum” não se refere a qualquer tipo de interesse, e sim ao interesse material e vinculado à operação – que gera benefícios pecuniários e, por conseguinte, obrigações tributárias. Caso este “interesse” não tenha vínculo com o fato gerador, não há nenhum tipo de responsabilidade.
Empresas que fazem parte de um grupo econômico, desvinculadas de suas ações, metas e atos geradores de tributos, não estão sujeitas à solidariedade e, consequentemente, ao redirecionamento de dívida tributária.
O interesse comum não deve ser confundido com o interesse econômico – somente o primeiro diz respeito às consequências advindas da realização do fato gerador. Deve haver interesse jurídico comum, que advém a partir da existência de direitos e deveres idênticos, ou seja, há interesse jurídico quando o fato gerador é realizado conjuntamente.
Em outro âmbito, a legislação prevê e a jurisprudência acata que a obrigação de empresa do mesmo grupo econômico de responder por débitos tributários das outras, ainda que contraídos exclusivamente no interesse de uma delas, comprova o abuso de personalidade jurídica, ao desviar as sociedades dos fins estabelecidos em seus atos constitutivos, com o intuito de mascarar a realização do fato tributário ou impossibilitar o adimplemento da obrigação tributária.
Assim, neste contexto, o que implicaria empresas coligadas ou unidas por controle responderem por débitos tributários umas das outras não é o fato de formarem um grupo econômico, e sim a confusão patrimonial, a dissimulação ou o desvio de finalidade com o intuito de fraudar credores.
Nesses casos, nem é possível falar em solidariedade, uma vez que esta pressupõe a prática conjunta do fato gerador, o que torna o fato de os envolvidos participarem ou não de um mesmo grupo econômico irrelevante. No entanto, devido ao abuso da personalidade jurídica, haveria extensão dos efeitos de determinadas relações jurídicas aos bens das demais sociedades.
O que tem ocorrido ultimamente é que o art. 50 do CC vem sendo usado de forma indiscriminada pelo fisco, o que não pode acontecer. A menos que este seja interpretado em detrimento da legalidade, uma vez que contém limites precisos, ele não pode ser utilizado para fundamentar todo e qualquer pedido de redirecionamento.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Os grupos econômicos tornam, sem dúvida, a indústria mais competitiva em um mercado desfavorável. Inegavelmente, é muito mais fácil garantir sua parcela no mercado de forma conjunta do que dividi-lo. Nos países de primeiro mundo, a formação destes grupos é muito frequente.
No entanto, no Brasil, a criação destes grupos tem também ocasionado tensões devido à atuação errônea e indiscriminada do fisco. Como já mencionei, ela utiliza de forma equivocada critérios de análise dos grupos econômicos de fato para responsabilizar grupos econômicos de direito.
A Receita se utiliza deste procedimento a fim de comprometer toda a operação e otimizar sua arrecadação. A empresa “sadia”, que não deveria ser onerada, passa a ter uma contingência que não é de sua responsabilidade e tem que se defender em juízo para excluí-la.
Como o Erário vive em permanente dificuldade, fica evidente, pois, sua intenção em aumentar o rol de executados no que diz respeito à responsabilidade tributária. A desconsideração da personalidade jurídica, por simples comodidade do fisco, de pessoas jurídicas distintas, mas participantes de um mesmo grupo econômico, viola a própria personificação das sociedades, estabelecidas e autorizadas pelo legislador civil.
Desta maneira, é de suma importância que por ocasião da formação do grupo econômico sejam observados critérios que irão afastar o redirecionamento de passivo trabalhista, tributário e previdenciário.
A título de exemplificação, cita-se a necessidade de elaboração dos documentos societários que estruturem o grupo de forma que a sociedade controladora tenha apenas a competência para tomar decisões estratégicas que fixem as diretrizes empresariais para unir os objetivos das sociedades a um fim econômico comum ao grupo, a ser alcançado em longo prazo.
É necessário estruturar o grupo econômico de forma a atribuir autonomia às empresas, sendo destas a competência para decidir sobre a realização ou não-realização de operações e negócios jurídicos. A única vinculação se dá pelo fato de que tais decisões, embora autônomas, devem submeter-se e guardar pertinência e congruência com as decisões estratégicas tomadas pelo centro de decisões empresariais.
Pela lei da sociedade anônima, que trata do instituto do grupo econômico de direito, se duas empresas se unem e uma delas possui algum tipo de passivo tributário, caso a empresa “sadia” não tenha participado do fato gerador do débito, seja ele de qualquer natureza, ela não pode assumi-lo. Ou seja, uma empresa não pode ser responsabilizada por um passivo pelo simples fato de ter feito uma parceria.
Infelizmente, como citei acima, na hipótese de não serem adotadas as cautelas societárias necessárias para afastar o redirecionamento de quaisquer obrigações, independentemente da sua natureza, a Receita Federal adotará o procedimento abusivo que vem sendo empregado nos seus procedimentos fiscais. Quem sai perdendo são os empresários, que estão cada vez mais receosos – ao decidirem criar um grupo econômico, uma parceria, uma unificação de processos, uma otimização de resultados, precisam se resguardar. É necessário estar atento a alguns critérios para que seu patrimônio não seja injustamente comprometido em decorrência da contingência da empresa parceira.
Por Anderson Albuquerque
Fonte: Migalhas
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