O Fisco promete faz tempo a unificação de RAIS, CAGED e outras redundâncias. O eSocial veio para isso mas foi além. Trouxe à tona normas que existem e nunca foram corretamente cumpridas.

O eSocial não vai acabar. Com o lançamento da GFIP em Janeiro de 1999 e com a consequente obrigatoriedade de utilização do programa SEFIP, a promessa era de que a novidade da época viabilizaria “o recolhimento individualizado dos valores ao FGTS” e ainda de que permitiria “à Previdência tornar mais ágil o acesso e aumentar a confiabilidade das informações referentes ao segurado. Além de controlar melhor a arrecadação com a guia, o INSS pode distinguir o sonegador do inadimplente, para tratá-los de forma diferenciada.“.  O texto entre aspas foi extraído de reportagem do site da Folha de São Paulo quando do lançamento da GFIP.  Aos saudosistas, ele ainda pode ser acessado no site https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi04079904.htm, com uma curiosidade: você verá mais textos que imagens, pois à época a internet ainda era discada!

A promessa era de que com o SEFIP também iriam ser extintas a RAIS e provavelmente o CAGED. Disso lembro-me bem por ter participado de vários cursos e treinamentos presenciais (…internet discada…) com instrutores do Ministério do Trabalho, Caixa Econômica (desenvolvedora da grante “novidade”) e do INSS.   A Receita Federal ainda não apitava em matéria previdenciária.  Ainda não era a Super Receita, que só viria a ser criada com a Lei 11.457 de 02 de maio de 2007.

Nada do prometido aconteceu.   Ainda temos até hoje RAIS e CAGED.  E ainda temos até hoje a própria GFIP e a SEFIP, ferramenta obsoleta que sequer permite identificar se o dependente de um funcionário que recebe de salário família (que é pago pela empresa mas que que reduz o valor da Guia de Recolhimento) realmente existe, pois só são informados valores e não há nenhuma identificação dos dependentes.

Ainda é preciso conviver com a SEFIP cheia de gambiarras, em que para uma empresa optante pelo Simples Nacional enquadrada no Anexo IV (construtora por exemplo), deve ser informada a condição de não-optante.  Isso mesmo: uma construtora que esteja no Simples Nacional para conseguir recolher a Contribuição Previdenciária Patronal (CPP) de 20% deve informar, no sistema SEFIP e na GFIP, que não é optante.  Só assim é possível recolher a obrigação corretamente.  A gambiarra foi até normatizada (Instrução Normativa RFB 925/2009, artigos 4º e 5º).

Apesar das gambiarras datadas de 2009, só em 2013 tivemos indícios de mudanças concretas, com o início do projeto eSocial.   Será que o eSocial é pior que toda essa confusão e todo retrabalho ainda existentes?  Definitivamente não!

Muitos foram os profissionais que desde o lançamento do eSocial dedicaram-se ao seu estudo de forma aprofundada.   Estes puderam constatar que o eSocial não traz absolutamente nada de inovação legislativa.  A promessa do eSocial é ainda mais ousada que as da GFIP/SEFIP.  E quem estudou o projeto sabe: ele de fato exige uma mudança cultural nas organizações.

Alguns exemplos de “cultura” organizacional diretamente impactadas pelo eSocial:

  • fazer uma “experiência” com o funcionário antes de assinar a Carteira;
  • fazer um “acordo” para o funcionário receber Seguro Desemprego e depois ser readmitido;
  • o funcionário “vender” a integralidade de suas férias;
  • a total despreocupação com a saúde e segurança do trabalhador (uma quantidade enorme de empresas, principalmente médias e pequenas, sequer sabe o quais são as normas de saúde e segurança no trabalho).

Além de impactar diretamente na cultura das organizações, em especial na cultura de descumprimento à legislação, o que o eSocial faz é, sim, unificar o envio, através de uma só ferramenta, das obsoletas obrigações acessórias (Caged, Rais, Livro/Ficha de Registro de Empregados, PPP, CAT, DIRF e outras muitas que poderão ser suprimidas como a própria Carteira de Trabalho papel, PPRA, PCMSO, LTCAT etc) em uma mesma plataforma.   Os mais afoitos dirão: tais obrigações ainda não foram extintas.   Óbvio. Com tantas prorrogações, será difícil extinguí-las.

Os que desde o início estudaram o projeto e se preocuparam em implantá-lo entendem que o eSocial traz impactos, mas que os benefícios são muito maiores.  Estes, definitivamente, clamam para que haja aprimoramentos mas que o eSocial não seja extinto.

O projeto é grande, mais que isso, grandioso, porque a legislação brasileira é complexa.   Mas é necessário.   Não só por ser mais coerente e economicamente viável enviar todas as informações uma única vez e numa única plataforma em vez de continuar prestando informações redudantes a órgãos diferentes, mas também pela necessidade de impactar culturas organizacionais que podem ser comparadas – utilizando termo recorrente nos últimos meses – à “velha política”.

É claro que um projeto dessa magnitude necessita de maturação, de evolução.   Há excessos, sem dúvida (como exigir o número do Certificado de Autorização dos EPIs).  Mas há informações essenciais, como as do evento S-2220, que monitora a saúde dos trabalhadores, ou o S-2240 naquilo que concerne à exposição ou não dos empregados a agentes nocivos à sua saúde.

O Governo Federal, independentemente de quem ocupou a cadeira do mais alto escalão do Poder Executivo sempre buscou evoluir tecnologicamente em âmbito tributário.  As Notas Fiscais Eletrônicas foram exemplo disso.  O fim das escriturações fiscais e contábeis em papel, também.   E por que as relações trabalhistas e previdenciárias ficariam de fora?

Os que criticam o eSocial, com a devida vênia, ou não analisaram devidamente os impactos positivos do projeto ou, como muitos empresários vem vociferado inclusive com linguajar inapropriado, temem as consequências, principalmente aquelas relativas ao envio de informações de SST (Saúde e Segurança no Trabalho).

O eSocial em nada inova na legislação, como se sabe. Pelo contrário, ele só exige que sejam prestadas informações comprovando o cumprimento das normas já vigentes, e aqui ressalta-se em especial as de Saúde e Segurança no Trabalho.  Tais normas são, inclusive, cláusula pétrea de nossa Lei Maior.   A Constituição Federal prevê, em seu art. 7º inciso XXII garante o direito dos trabalhadores urbanos e rurais à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Os empresáros e profissionais que só se deram conta de que as coisas iriam mudar quando de fato começaram a mudar, estão no livre direito de exercer o jus sperniandi, mas não podem de forma alguma apontar falta de desconhecimento sobre o projeto.  Tempo para estudá-lo houve.   As mudanças, assim como ocorreram na Nota Fiscal Eletrônica, na Nota Fiscal de Consumidor Eletrônica e em todos os integrantes do projeto Sped, retiram muitos (empresários, contadores e profissionais de diversas áreas) de sua zona de conforto.  Em especial aqueles que sequer sabiam o que é um PPRA ou um PCMSO, incluindo neste grupo muitas empresas de médio e pequeno porte que jamais se importaram com tais exigências, ou que até mesmo as desconhecem.

A verdade é que o governo, a pedido da própria sociedade, vem prorrogando sucessivamente o eSocial, gerando insegurança.  Os empresários, contadores, profissionais de DP, RH e SST tiveram tempo de sobra para se prepararem.  Mas muitos sequer se preocuparam em atualizar seus PPRAs e PCMSOs na certeza de que vai haver nova prorrogação, ou de que será passada “a faca” no eSocial.

A complexidade do eSocial é o preço a ser pago pela incompetência histórica do próprio Governo que permite ao cidadão ter uma Carteira de Identidade em cada Unidade da Federação, que apesar da existência do CPF também exigia a criação de número de PIS,  que permitia a criação de vários números de PIS para um mesmo trabalhador, que exigia um outro número diferente para as contribuições previdenciárias (o NIS)  e que durante algum tempo emitiu Carteiras de Trabalho já com números de PIS que nada valiam pois eram inexistentes nas bases da Caixa Econômica Federal.   Não é possível soluções simples para corrigir problemas complexos.

O eSocial já acertou por tentar sanear o absurdo de números de cadastros que cada trabalhador deveria ter (PIS, PASEP, NIS, CPF, CTPS, RG etc).   Mas se nem o próprio Governo conseguiu até hoje criar uma identificação nacional única, não há como culpar o eSocial por isso!

Imagine-se em um voo internacional em que, sobre o Oceano Atlântico, o piloto decida que todos os passageiros e a tripulação devem mudar de avião.  Mas com um detalhe: a operação ocorrerá com ambos os aviões no ar!    É por isso que o eSocial não vai, com absoluta certeza, acabar.   Ele já está em vigor.  O avião já está voando.   Em meio a turbulências, é claro.  Mas turbulências também ocorreram quando a SEFIP e a GFIP foram implantadas.  Só que não havia redes sociais na internet e o jus sperniandi não tinha condições de ganhar tantos adeptos como os eSocialHaters, que muitas vezes sabe do que falam (como a existência de título de eleitor no cadastro do eSocial) e acabam replicando críticas infundadas e fake news.

Aos que clamam pelo fim do eSocial, qual seria a solução: retornar para a SEFIP, repleta de “gambiarras” e não permite sequer confirmar se os dependentes para salário família de fato existem?

Melhorias certamente virão.  Simplificações também.   Poderão (e certamente irão) mudar o nome do Projeto e mudar a exigibilidade de meia dúzia de informações.  Tudo para que possam alardear: “Acabamos com o eSocial!”.

O fato é que mudar todos os passageiros e a tripulação em pleno ar pode resultar em muito mais dados do que vantagens.   E não haverá paraquedista que consiga dar jeito.   É por isso que o eSocial não vai acabar!

 

Autor: Adélio da Costa Gonzaga
Fonte: Portal Contábeis

 

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